Neste ótimo filme, Kevin Spacey interpreta um psicoterapeuta, doutor Henry Carter, que tem uma lista de celebridades como pacientes e um livro “sucesso de vendas” chamado: “Pare de se sentir triste” (“Stop feeling sad”).
O filme aborda vários temas do comportamento humano de uma vez só.
Como tem muitos personagens (ligados entre si por serem pacientes do protagonista, doutor Henry Carter), não chega a se aprofundar nos dramas de cada um, o que é uma pequena falha. Passa meio “batido” pelo empresário ultra bem sucedido que sofre de transtorno obsessivo-compulsivo do tipo “medo de contaminação” e que não demonstra empatia com os que o cercam, em um estilo arrogante e pretensioso, a ponto de, ao parar seu carro em um evento, jogar as chaves em cima do manobrista e dizer: “Cuidado com meu carro. Ele vale mais do que você.” Apesar do pretenso ar de superioridade, o empresário é extremamente dependente dos outros, já que não abre nenhuma porta sozinho nem toca em quase nada com medo de se contaminar, além de levar uma vida bastante solitária e deprimente.
Robin Willians é outra estrela que aparece como um paciente alcoolista que se considera viciado em sexo, mas não no álcool. Vive uma batalha entre seu objetivo de ser fiel à esposa e a tentação de se envolver em sexo casual com estranhas, mas acaba encontrando uma solução bastante peculiar para o seu problema.
Mas as duas questões que o filme aborda com mais profundidade e que tornam o filme especial são o luto e a dependência química.
Carter, o psicólogo que dá nome ao filme, apesar do aparente sucesso profissional, se considera uma farsa e vide deprimido desde que a esposa se matou. Sim, o filme aborda mais do que o luto, toca no assunto delicado do luto por um suicida. Raiva, tristeza, saudade, estarrecimento, uma culpa gigantesca e um milhão de perguntas sem respostas assombram o familiar de quem se suicidou, em especial, a pergunta: “Por que?” Essa pergunta persegue Carter por todo o filme, com o agravante de que, uma vez que é terapeuta e lida com dezenas de problemas alheios o tempo todo, ele “deveria” saber porque, ou, pelo menos, ter “previsto” ou “evitado” que a própria esposa se matasse. Para fugir de sua profunda dor, Carter vive “chapado” com diferentes variedades de drogas (especialmente maconha) e álcool.
Um dos diálogos mais interessantes do filme se dá quando os amigos e a família de Carter o chamam para uma reunião onde o confrontam com o fato de que ele perdeu o controle do uso de álcool e drogas e propõem que ele seja internado. Seu pai, que também é um famoso psicoterapeuta, diz: “Eu te amo, meu filho, e é horrível vê-lo assim.” A resposta de Carter: “Então não olhe, pai.” Carter reage de forma agressiva com todos os familiares, e se retira com raiva. Então, ele diz
: “Minha esposa se matou. Mas eles querem que eu tenha uma resposta normal ao luto. Assim eles não precisam ficar olhando”.
Aqui fica claro um processo cruel: a sociedade permite que soframos quando alguém querido morre. Mas só por um tempo. Esse sofrimento tem “data de validade”. Se a pessoa não se recupera no tempo que se espera, a sociedade e, depois, os próprios amigos, passam a não suportar mais a dor da pessoa, E “exigem” que ela melhore. Mas o luto tem um tempo particular. O tempo que for necessário para cada um.
Por fim, Carter é chamado para tratar de uma adolescente que, na escola, deu um soco no espelho e feriu a própria mão. Jemma vai ver o doutor Carter forçada pela escola. Ao ler a ficha da nova paciente, Carter percebe o desafio que tem nas mãos: Jemma é uma adolescente em luto pelo suicídio recente da mãe.
Dividido entre o medo do fracasso (uma vez que considera a si próprio uma “fraude”) e a vontade genuína de ajudar Jemma a lidar com seu luto, um relacionamento muito interessante vai se desenvolvendo entre os dois. A ponto de, lá pelo final do filme, ocorrer o segundo diálogo muito interessante, que transcrevo aqui, onde, note-se, é o psicoterapeuta quem faz a pergunta que se esperava do paciente e é Jemma quem lhe responde. Sentados lado a lado, cada um imerso na sua dor e nas suas dúvidas sobre os porquês do suicídio de quem amavam, Carter pergunta:
- Não vai passar nunca, né?
E a resposta de Jemma:
- Não. Mas nós estamos aqui. E isso já é alguma coisa.
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Juliana Garbayo
Graduada em Medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF). Cursou Residência Médica em Psiquiatria na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-IPUB)